O que é Budo? parte 2 - A evolução de Bujutsu (técnica) para Budo (caminho) Marcial.
- André Oliveira
- 17 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Entenda como e porquê os japoneses transformaram suas técnicas de luta desenvolvidas por séculos em um caminho de aprimoramento humano, caminho esse que viria a configurar o espírito da nação japonesa.
Prefere assistir ou ler? O conteúdo é mesmo.
A transformação de Jutsu (técnica) para Do (caminho) não aconteceu a partir de um único evento ou com uma ruptura abrupta. Como muitas coisas na cultura asiática, aconteceu através de um processo que vai se formulando de maneira orgânica e fluindo junto aos acontecimentos sociais, e dessa modo mantendo sua relevância social.
Foi dessa maneira, que as técnicas marciais se transformaram em caminhos marciais, para que todo esse conhecimento acumulado ao longo de mais de 500 anos pudesse continuar relevante na sociedade atual, um processo de manutenção da tradição, pensando a tradição não como a reprodução do antigo, mas como a atualização necessária do conhecimento para que ele seja valorizado e relevante na sociedade em que se encontra.
Para falarmos dessa transformação, posso começar ressaltando que apesar dela acontecer de maneira decisiva com a restauração Meiji em 1868, momento em que o Japão é obrigado a abrir suas fronteiras para as forças estrangeiras e iniciar o seu processo de aceitação e “modernização” a partir da cultura europeia; essa transformação veio acontecendo de maneira gradual, tendo como fator preponderante o estabelecimento da paz pelo shogunato Tokugawa. Se levarmos em consideração o momento do recebimento do título de Shogun (generalíssimo) pelo imperador dado a Ieyasu Tokugawa em 1603 até o fim de seu shogunato com Meiji Ishin, como se referem os japoneses a restauração em 1868, foram mais de 250 anos de paz, se não contarmos as pequenas guerras de Osaka que foram provocadas e brevemente terminadas pelo próprio shogunato por questões políticas.
Dito isso, precisamos ressaltar a existência de uma classe guerreira os Bushi ou samurais (a casta), nesse período deixa de ter a importância guerrilheira que havia tido, mantendo apenas uma importância política, na demonstração de poder pelo Clã Tokugawa, os outros clãs aliados também mantém seus exércitos, assim como os não aliados, porém esses nada podiam fazer frente a um soberano com tamanho poder.
Nesse longo período de paz, florescem e aprimoram as artes japonesas. Sem precisar se preocupar com as guerras, tanto os nobres da corte como os samurais, puderam se dedicar ao desenvolvimento artístico e espiritual, o que na cultura japonesa não está desvinculado. O teatro Nô, a cerimônia do Chado (chadô), a ikebana (kadô), a caligrafia (shodô), a pintura, a poesia (haikai) e claro também as artes marciais, vivem um momento de grande desenvolvimento. Vale ressaltar que nesse período praticamente todas essas artes eram reservadas apenas aos homens, até mesmo a ikebana, que hoje é conhecida com maior desenvolvimento pelas mulheres.
A consolidação dessa transição de Jutsu (técnica) para Dô (caminho), teve um momento decisivo, já muito próximo da restauração Meiji em 1868 com a invasão dos “bárbaros” como se referiam os japoneses aos europeus, principalmente aos ingleses. Resumidamente, houve um incidente diplomático, envolvendo a morte de um cidadão inglês pelos samurais, ao qual exigiu-se do governo japonês e também a o clã de Satsuma, ao qual pertenciam esses samurais que pagassem uma grande quantia pela morte do cidadão. O governo paga sua parte, o clã não. Então em 15 de Agosto de 1863 os navios ingleses atracam frente a região de Kagoshima e disparam seus canhões em retaliação contra o não pagamento pelo Clã de Satsuma. O resultado, a cidade destruída e em chamas, sem que uma única espada pudesse ser sacada.
Como diz Luiz Paulo Lindenberg Sette, diplomata brasileiro que atual no Japão entre 1983 e 1987 e escreveu o livro Revolução Samurai.
“A katana havia provocado o canhão, e o canhão saiu vencedor.”
A era da honra, do combate corpo a corpo, onde o mais habilidoso e preparado saia vencedor se extinguiu.
Essa confirmação dramática veio com as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
Era preciso dar novos rumos e significado para as artes marciais, e ele foi dado através da educação da população.
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